Pricing - Parte 1 - Além da demanda

Escrito por Miguel Manassés Mendes Campos, COO da BeFinance
11 01 2023
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“Tudo tem o valor que o comprador pagará por aquilo.” — Publilius Syrus, 1 A.C.


A precificação representa uma das principais alavancas do mercado; translúcidas ao olhar pouco treinado, é capaz de alterar radicalmente a escolha de um consumidor de forma ativa e altamente dinâmica, mas também perigosa quando aplicada de forma incorreta. Através do uso da precificação, gestores são capazes de aumentar vertiginosamente suas receitas e, assim, receber aplausos e bonificações ao mesmo tempo que se esquecem de olhar algumas linhas abaixo na DRE para a margem gerada pela operação.


Segue que a precificação é um jogo multivariado e altamente complexo que envolve tanto a pluralidade de perfis que compõe o mercado alvo quanto os competidores e a psique e objetivos dos próprios decisores de uma empresa. Essa quantidade de informação disponível pode levar os decisores a se perderem em um mar de questões, mesmo nos estágios iniciais da operação.Quais as características do nosso produto? Dadas essas características, quem são os concorrentes? Qual o preço atual desses produtos no mercado? Quais nossos diferenciais? Quanto o consumidor X estaria disposto a pagar adicionalmente por esses diferenciais? E o consumidor Y? Caso optemos por realizar uma precificação agressiva, qual será a resposta dos concorrentes?


Como exposto acima, mesmo no início da concepção de um produto existem diversas perguntas que englobam o processo de precificação, muitas para as quais dificilmente teremos as respostas mais exatas e confiáveis, especialmente no caso de um novo player ou da criação de um novo nicho ou mercado do qual os dados ainda não estão disponíveis em volume significativo.


O que é pricing?


O pricing, do inglês, é nada mais que um estrangeirismo para a precificação, isto é, dar o preço a algum produto, serviço ou bem no geral. O estudo do pricing na teoria microeconômica se baseia nos princípios de otimização de resultados através do conhecimento da elasticidade da demanda para o produto e os jogos realizados entre os players de um mercado.


A elasticidade da demanda é um conceito importante presente na sociedade humana desde os primórdios do comércio. Se trata do efeito, dada a utilidade que um bem provê aos consumidores, que uma alteração do preço causa na quantidade total demandada por um bem. Podemos, através dessa métrica, encontrar um ponto de maximização do resultado operacional, ceteris paribus.


Vale lembrar que a demanda total por um bem também sofre efeito da oferta agregada do bem presente na economia. Por exemplo, é de se esperar que um bem essencial, que se torne escasso, gere nas pessoas a disposição a pagar um preço mais elevado. Entretanto, de forma geral, salvas as exceções de bens de luxo e outros mercados que apresentam comportamento monopolista, os participantes tendem a não possuir poder representativo sobre a oferta de um bem no mercado, de forma que aumentarão ou manterão seu market share através de um nível de oferta compatível com a demanda pelos produtos.


Indo além da demanda


“Pergunte a qualquer executivo como as políticas de precificação afetam a demanda por um produto ou serviço e você será respondido de forma confiante e bem fundamentada. Pergunte ao mesmo executivo como as políticas de precificação afetam o consumo – a extensão do uso dos produtos e serviços adquiridos pelos clientes – e receberá uma resposta muda no melhor do casos” ~ John T.Gourville, Dillip Soman


Suponho que até este ponto, o efeito do pricing sobre a demanda de um produto tenha sido intuitivo e de fácil abstração. Entretanto, nessa era digital em que vivemos, muitas startups desenvolvem produtos que dependem da geração do chamado efeito rede para atingir o tão sonhado crescimento exponencial, e dependem da manutenção da recorrência, de forma a evitar o temido churn de sua carteira de clientes. Nesse cenário muitas vezes não basta apenas que um determinado cliente pague pelo acesso ao produto; é necessário que ele se torne um usuário ávido do produto, extraindo valor para si e gerando valor para o ecossistema em que se encontra.


Dessa forma, devemos pensar sobre o efeito dos efeitos da precificação sobre o consumo de um bem já adquirido. Em seu artigo “Pricing and the Psychology of Consumption”, John T. Gourville e Dillip Soman utilizam o seguinte exemplo:


“Dois amigos, Mary e Bill, entram para o clube local de saúde e se comprometem com planos de filiação de 1 ano. Bill decide tomar um plano de pagamento anual - $600 assim que entra para o programa. Mary decide por um plano de pagamento mensal - $50 por mês. Quem é mais provável de utilizar os serviços regularmente? E quem é mais provável de renovar a assinatura no próximo ano?”


A partir da perspectiva tradicional e racionalista a resposta deveria ser: ambos tem a mesma chance. Afinal, estão desembolsando o mesmo valor, apesar de utilizarem prazos de pagamento diferentes, isto é, $600.


Entretanto, façamos um exercício de empatia e nos coloquemos no lugar de Bill. Assim que realizamos o pagamento estamos cheios de motivação e nos sentimos compelidos a extrair o maior retorno possível de nosso alto investimento inicial. Apesar do ímpeto inicial, as semanas passam começamos a nos esquecer do valor e representatividade dos $600 até que finalmente deixamos essa sensação no passado.


Maria, por outro lado, será constantemente lembrada de seu compromisso devido aos pagamentos mensais de $50. Assim, sua necessidade de extrair o máximo de retorno de sua assinatura será constantemente renovada e ela se exercitará mais frequentemente. Essa frequência, por sua vez, gera outro importante aspecto para o clube: Ela criará um hábito e isso levará a um aumento da probabilidade que ela renove o plano ao fim do ano!


Duas réguas, duas medidas


A ideia de chamar a atenção do consumidor para o preço de um serviço é contraintuitiva, especialmente dada a prática já estabelecida de se mascarar o custo de um produto de forma a impulsionar as vendas. Essa prática, claro, não está enganada por si só, afinal, se o cliente não realizar a primeira compra, não teremos, por consequência, que nos preocupar com o seu nível de consumo ou recorrência. Entretanto, ainda assim, podem estar desencorajando o uso contínuo de seus produtos.


Tendo isso em mente, conseguimos inferir que gestores que utilizem de técnicas que mascarem o custo da aquisição do produto para aumento da demanda podem estar ferindo seus próprios negócios ao trocar a retenção de clientes no longo-prazo por um aumento de curto-prazo na receita bruta.


Com isso se mostra a importância de conhecer o modelo de negócios e o definir o motor de crescimento da empresa corretamente. A partir desse conhecimento, podemos definir se nosso foco deve estar na relação de curto ou longo-prazo com o cliente.


Prazos


Prazos de cobrança variam intensamente entre diferentes empresas e setores. Algumas empresas optam por realizar a cobrança momentos antes do uso do produto/serviço pelo cliente. Outras, por sua vez, realizam a cobrança meses antes de entregar qualquer tipo de consumo. E, por fim, existem aquelas que realizam a cobrança depois de um longo período de uso.


Decisões sobre prazos influenciam significativamente a necessidade de financiamento do capital de giro, isso é, a necessidade de capital disponível para girar a operação como um todo. Esse, entretanto, é um tópico que não será abordado neste artigo, por merecer uma atenção própria. Podem também ser tomadas decisões tendo a demanda em mente uma vez que prazos de cobrança mais relaxados tendem a gerar mais vendas.


Essas perspectivas, entretanto, não levam em conta o efeito consumo que viemos discutindo ao longo deste artigo. De acordo com uma pesquisa realizada por John T. Gourville e Dillip Soman, utilizando cenários de cinemas e dados de clubes, o comportamento do nível de consumo segue de forma próxima os prazos de pagameto para um cliente. Podemos observar abaixo o esquema derivado dos resultados da pesquisa:


prazos

Podemos observar que pagamentos mais frequentes geraram um nível médio de utilização mais elevado, como era o caso de Mary no exemplo utilizado, enquanto planos de pagamento anuais levaram a um consumo inicial mais elevado seguido de uma forte queda, assim como Bill. Vale dizer que aliar essa perspectiva ao controle do ciclo financeiro é essencial evitar que os prazos de recebimento se elevem intensamente e causem um possível aperto de caixa no futuro da empresa.


Agrupamento


O agrupamento (price bundling ou product bundling) é um estratégia de marketing que consiste na combinação de dois ou mais produtos em um único produto que ofereça valor adicional por uma percepção menor de preço. Essa técnica é popular em varejistas e eCommerce e podemos observá-la, por exemplo, na estratégia de vendas do Microsoft Office, o qual inclui diversos produtos como o Microsoft Excel, Microsoft Word ou Microsoft Powerpoint ou do GSuit.


Podemos observar o efeito de uma estratégia de agrupamento bem planejada através de uma pesquisa realizada pela McKinsey com base em dados da Amazon de 2017. Abaixo, vemos a precificação de diferentes agrupamentos da nota laranja com as demais cores, de forma que, ao se agruparem as notas laranjas com as notas de cor aqua, a margem sofre um incremento de 34% por produto vendido.


bundling

Entretanto, apesar da eficácia da estratégia no aumento da demanda e da possibilidade de ganho de margem através de um agrupamento que ofereça maior valor para o cliente, ela pode também vir a reduzir o consumo em certos cenários.


John T.Gourville e Dilip Soman entrevistaram dois grupos separados de 50 esquiadores e aplicaram os seguintes cenários:


  1. O grupo está em uma viagem de 4 dias e comprou 4 passes de acesso a pista, cada um por $40.


  2. O grupo está em uma viagem de 4 dias e comprou um passe único para os 4 dias, no valor de $160.


Ao questioná-los sobre a possibilidade de esquiarem em no último dia, dado que foi um dia de chuva, utilizando uma escala de 1 a 10, a resposta média do primeiro grupo foi de 7, enquanto a resposta médio do segundo grupo foi de 3.3, indicando uma menor probabilidade de esquiar no último dia.


Integrando o consumo na precificação


Para aplicar os conceitos que foram discutidos neste artigo, não é necessário, nem adequado, que se abandone o conceito da demanda na estratégia de precificação. Para negócios que se encaixem nos perfis discutidos, entretanto, podemos sofisticar essas estratégias através da consideração do consumo. Seguem algumas técnicas para isso:



  • Produtos e serviços que possuam uma limitação no número de usuários podem utilizar o conceito de consumo para estudar e antecipar a demanda real em detrimento da demanda paga. Por exemplo, ao saber que a taxa de consumo será de 80%, podemos, por exemplo, realizar um overselling dos 20% restantes de outros acessos ou adequar nossa estrutura (ex: número de contratações e capacidade de servidores) para receber um número menor de usuários, o que reduziria nosso custo, levando a um incremento em nosso resultado;

  • Digamos que sejamos donos de uma plataforma e as principais linhas de receitas sejam provenientes da assinatura e de anúncios personalizados. Dessa forma, possuímos uma linha de receita recorrente semi-fixa, a qual depende apenas da demanda pelo produto ofertado, enquanto a receita por anúncio varia de acordo com o número de usuários na plataforma. Nessa situação, podemos reduzir a volatilidade de nossa receita e aumentar a previsibilidade de nossos resultados ao utilizar de diferentes combinações de prazos de pagamento.

Se sabemos, por exemplo, que a maior parte das renovações de nossos serviços são realizados em Janeiro, podemos esperar que o período com a maior quantidade de usuários ativos seja Janeiro, Fevereiro e Março, por exemplo. Nesse caso, a maior parte de nossa receita será concentrada no primeiro trimestre do ano, diminuindo a adaptabilidade da empresa a eventos que ocorram nos meses posteriores devido à necessidade de conservação de caixa até o início do próximo ano.


Para evitar essa forte sazonalidade, poderíamos oferecer planos de assinatura de 10 ou 14 meses, com suas próprias precificações, de forma a causar um descasamento de prazos e melhor distribuir o nível de consumo esperado ao longo dos meses do ano.


Por fim, se você deseja nutrir relações de longo prazo com seus clientes, precisa garantir que ele fiquem imersos em seus produtos. Saiba que a precificação é o primeiro passo nessa jornada, e a geração da demanda apenas metade da batalha.



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Experiência em análise de ETFs, ações e operações estruturadas, atuando também em valuation para M&A, com foco em startups e PMEs, e realizando consultorias estratégicas e FP&A. Agora, busca ajudar empreendedores com seu conhecimento.

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