Como se proteger no atual cenário de altos juros?

Escrito por Miguel Manassés Mendes Campos, COO da BeFinance
02 01 2023
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A conjuntura atual

O atual cenário do ambiente de negócios global é delineado por inseguranças políticas e econômicas, seja em função das pressões persistentes do Coronavírus na China, os conflitos militares que perduram na Europa, o clima pouco favorável à produção das lavouras ou dívidas públicas infladas. A consequência da união dessas peças é um cenário de pressão de alta sobre os preços de commodities, o que reverbera nas margens de diversas empresas e nos bolsos de cada brasileiro.

Nessa conjuntura, observamos ao longo do último ano as diversas medidas tomadas pelos bancos centrais visando mitigar os impactos da inflação ao mesmo tempo em que políticas públicas são estabelecidas como amortecedores para a o arrefecimento da atividade econômica. Entre essas principais medidas, temos a onda de aumento de juros que percorre o globo atualmente, movimento esse ao qual o Brasil se adiantou por alguns meses. Falaremos aqui sobre os efeitos desse aumento sobre as operações de startups e possíveis medidas que podem ser aplicadas visando uma redução do impacto no resultado dessas empresas.

Por que eu deveria me preocupar?

À medida que as taxas de juros sobem, as startups se deparam com um dilema único. Como balancear a necessidade de capital, cada vez mais escasso, para financiar o crescimento com o elevado risco associado aos maiores custos da dívida? Esse se tornou um cenário comum para muitos negócios em estágios de desenvolvimento.  

Nesse cenário, as startups se tornam mais expostas a um alto nível de despesas financeiras, o que pode reduzir suas rentabilidades de forma geral e pressionar seus fluxos de caixa, dificultando o pagamento de obrigações. Assim, as novas taxas possuem efeitos significativos sobre as políticas de financiamento e perfis de risco de startups, levando tanto à dores de curto-prazo, pressionando indicadores de alavancagem e cobertura de juros, quanto à riscos no longo-prazo, como por exemplo em ocasiões em que o retorno da aplicação realizada com o dinheiro da dívida é menor do que o seu custo, indicando uma necessidade futura de refinanciamento do montante.

Nesse aspecto, altos custos da dívida podem tornar mais difícil o acesso ao capital necessário para iniciativas de expansão ou outros investimentos. Isso pode levar a uma alocação reduzida em projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), inovação e outras atividades críticas para o seu sucesso, o que em contrapartida pode levar aos baixos retornos no futuro próximo. Esses custos impactam especialmente aquelas empresas que não possuem acesso a outras fontes de financiamento, como venture capital (VC) ou investidores-anjo.

Adicionalmente, também causam uma alteração na percepção de valor de investidores devido ao aumento conjunto da taxa de desconto utilizada na realização do processo de Valuation, o que pode representar uma compra vantajosa para o investidor, que agora pode comprar a mesma participação a um múltiplo mais atrativo. Ademais, mesmo em startups que já passaram pelo processo de captação, a elevação do custo de oportunidade poderá levar a uma maior demanda em relação a milestones e performance de forma a justificar a manutenção do capital investido e, a depender da participação adquirida, ameaçar as posições dos atuais diretores e conselho.

Por fim, um cenário de altos juros também pode impactar diretamente as receitas das startups, em especial aquelas que dependem de altos tickets, vendas pontuais, ainda não possuem marcas fortes ou necessitam de avaliações de investimento criteriosas por companhias maiores, no caso do B2B. Isso se dá pois, à medida que o juros sobem os consumidores se encontram mais incentivados a poupar do que a consumir. Ademais, na esfera corporativa, as corporações se tornam mais cautelosas com o seu nível de caixa e aumentam seu custo de oportunidade em suas análises de viabilidades de projetos e investimentos, o que reduz as possibilidades de composição do portfólio.

Meios de mitigação

Compreendendo como as mudanças da política de juros podem afetar seus planejamentos operacionais os empresários podem tomar medidas para mitigar o risco associado a elas.

Aqui estão algumas dessas medidas que podem ser utilizadas a depender do seu setor e modelo de negócios:

1) Reorganizar a estrutura de custos:

As empresas devem revisitar todos os custos e procurar por áreas em que cortes possam ser feitos sem o compromentimento das operações ou do nível de satisfação dos clientes, de forma que recursos adicionais possam estar disponíveis para manter o negócio girando e pagar as obrigações necessárias. Realizar o controle de custos, como redução do overhead e otimização de processos internos é de grande ajuda para o ganho de eficiência e auxiliará a empresa a se manter financeiramente viável durante períodos de baixa liquidez.

Entretanto, apesar da maior facilidade de acesso a esta medida, dada a estrutura do direito trabalhista, a realização de demissões em massa pode representar um custo de curto prazo grande o suficiente com benefícios e auxílios para anular quaisquer ganhos representativos, em especial para as empesas de cujas as equipes são majoritariamente contratadas via CLT. Com o alto custo da superestruturação das operações, as empresas devem sempre manter a cautela em seus níveis de contratação e na eficiência dos recursos alocados em seus times.

2) Explorar incentivos governamentais:

No Brasil, podemos buscar uma fonte de financiamento de baixo custo e longo prazo através dos bancos de desenvolvimento. Esses órgãos cumprem o papel de facilitar o acesso ao capital intensivo sem penalizar os pequenos e médios negócios.

Ademais, a otimização do regime tributário, alteração da classificação nacional de atividade econômica para redução de alíquotas e aproveitamento dos créditos tributários podem gerar economias significativas para a operação, de forma que se reduza a dependência do endividamento com terceiros à taxas de mercado.

3) Diversificar as fontes de receita:

Se trata de buscar uma composição de fontes de receita que permita alternativas em que a empresa possa se apoiar durante períodos difíceis. Por exemplo, start-ups podem explorar a criação de conteúdo digital como e-books, webinars e cursos, ou desenvolver maneiras de gerar receitas passivas e recorrentes, como ads ou novos produtos e serviços. Adicionalmente, algumas empresas fazem acordos com grandes corporações que oferecem contratos estáveis e investimento contínuo apesar das flutuações em variáveis macroeconômicas.

4) Ajustar a estrutura de capital:

Uma forma de buscar a redução do impacto das taxas de juros no valor da empresa é realizar um novo ajuste dos percentuais ótimos do financiamento por dívida e por equity, isto é, aquela combinação que gerará o menor custo médio de capital ponderado (CMPC ou WACC, em inglês). Para isso, podem decidir emitir participações em equity ou converter parte da dívida existente como forma de balanceamento.

Essa pode ser uma boa opção para os casos em que a diluição da participação não é a principal preocupação como aqueles em que os gestores possuem opções de compra de ações. Esses, afinal, não sofrem diluição imediata, mas estarão trilhando o caminho para a maximização do valor da empresa no futuro em que suas opções forem ativadas.

5) Refinanciar a dívida corrente:

Através do refinanciamento uma empresa podem, através de negociação, conseguir melhores termos para o empréstimo, como prazos de carência ou troca de indexação. Assim, o capital levantado com a nova dívida pode ser utilizado para o pagamento da antiga, cujo vencimento está no curto prazo, restando os pagamentos a serem realizados em um futuro mais distante, o que leva a um fôlego do caixa que pode ser utilizado para superar a situação em questão.

Vale lembrar também que as firmas devem considerar a diversificação de suas dívidas ao invés de depender de um único credor ou título de dívida. Isso ajuda a diversificar o risco associado com a indisponibilidade de uma fonte específica dadas mudanças das condições de mercado, além de auxiliar no processo de negociação.

6) Otimizar o nível de caixa:

No mercado nos deparamos muitas vezes com níveis exagerados de distribuição de caixa por meio de dividendos, o que pode fragilizar a situação financeira da empresa. O nível de caixa ótimo deve ser definido com base no conjunto dos desembolsos esperados, entradas esperadas e da volatilidade dessas medidas, de forma que um nível médio de caixa seja estabelecido, junto à ele deve ser também estabelecido um limite inferior e superior de forma que uma vez que o limite inferior seja alcançado, realizem-se desinvestimenos, antecipações ou busca por capital em outras fontes, enquanto que, quando o limite máximo de caixa for atingido, otimize-se o retorno do capital através da aplicação em títulos financeiros negociáveis.

7) Reduzir a velocidade de inovação:

Em um ambiente tão dinâmico quanto o mercado de startups, em que a inovação ocupa os espaços de musa e finalidade última, pode soar estranha a indicação para a redução do desenvolvimento de novas features. Entretanto, o processo de desenvolvimento e validação de novas funcionalidades é altamente demandante de tempo e investimento, o que aumenta o consumo de capital e a necessidade de caixa de uma empresa.

Além disso, features desenvolvidas em períodos de baixa demanda não poderão ser tão amplamente testadas e validadas pelo mercado, o que pode levar a interpretações equivocadas sobre a utilidade gerada para os clientes e gerar novos investimentos mal direcionados.

Dessa forma, pode tornar-se mais adequado que os investimentos diminuam durante os períodos de alto risco econômico. Assim, utiliza-se o período de baixos investimentos como um maior prazo para nutrir novas ideias e, quando o cenário se tornar mais favorável, a empresa estará em uma posição confortável para desenvolver o projeto e receberá feedback mais amplo por parte do mercado.

Imagem: J.P. Morgan

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Experiência em análise de ETFs, ações e operações estruturadas, atuando também em valuation para M&A, com foco em startups e PMEs, e realizando consultorias estratégicas e FP&A. Agora, busca ajudar empreendedores com seu conhecimento.

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